Avóvivência
- Matheus Giglio
- 20 de abr.
- 3 min de leitura
As narrativas, e seus narradores, são de variadas origens, isso sabemos. Mas há uma narradora que com suas experiências de anos de vida, sejam suas vivências verdadeiras ou ainda que experiências alheias — chamamos essas aqui de fofocas e elas adoram — ou mesmo fictícias, como uma história para dormir, e com qualquer tipo, ainda assim possuem a habilidade de transmitir alguma forma de conhecimento, provocar reflexões e manter viva uma memória. Nesse momento a oralidade toma conta, torna-se o meio principal em que a experiência é passada. Avóvivência, com dois acentos, mesmo que não permitidos na língua portuguesa, mostra a experiência das avós. Até por que quem é que faz a língua portuguesa, senão nós mesmos? E quem nos ensina se não essas figuras maternas, com sua fala maternal e doce. Mulheres que deixam a bolsa dentro da sala de aula para que o neto acredite que ela não fugirá e ele não ficará só. Um ser que personifica a tradição oral, a escuta, à memória e o tempo. Quantos anos são precisos para fazer uma avó? E quantos anos mais para ouvirmos ela repetir as mesmas histórias? Veja bem, não é uma reclamação e sim uma simples indagação. Quem teria a ousadia reclamar de quem disse uma vida inteira: não abra nada com os dentes, tem que comer o que há na panela, dance conforme a música, trate bem sua mãe...? Mas quem são essas mulheres que nada pedem, mas sempre te tratam com um rei. Ah, ser chamado de “seu rei” como pode fazer tanta falta a uma pessoa.
Avóvivência é toda a sabedoria que se aconchega e repousa em nosso ouvido, e que não necessitam de comprovação. É uma tia-avó Lea e sua história sobre a mulher que a salvou de um assalto. É uma tia-avó Marlene fazendo crochê de uma bolsa ou um casaco, que mesmo você sabendo que não irá usar, você guarda porque foi feita com todo carinho. É uma tia-avó Janete dizendo a você que está mais belo a cada dia ou uma tia-avó Marilene que sabia fazer uma pizza como ninguém.
São histórias que cruzam tanto a barreira do tempo como do espaço. Quem se importa com a informação, quando se tem uma biblioteca ambulante a sua disposição: ir a piscina depois de comer faz mal, o certo é descer a escada de lado para não cair, não abra nada com os dentes... Eu já falei esse último? Bom, que bom, porque é muito importante.
Mas nesses últimos anos, a Avóvivência foi largada de mão. O Youtube tem mais a te ensinar... Quem precisa de um caderno antigo com uma deliciosa receita de bolo de cenoura com cobertura de chocolate se há no Instagram tudo explicado em menos de um minutinho?
Precisamos realmente de perguntas como "o quê?", "quem?", "quando?", "onde?", "como?" e "por quê?” a todo momento? São fatos, notícias, um tanto quanto vazios e sem experiências. Cadê a tia-avó Maria com as perguntas que realmente importam: Cadê as namoradinhas?
Todavia, uma hora a narradora se cansa, a sua voz cessa, não porque não quisesse falar, mas algo a impede: os esquecimentos, a idade avançada e até o que é um tabu para pensar. Ninguém gosta de pensar. Contudo, só porque algo não é para sempre que não vai deixar sua marca. As histórias que nos contam viram memórias que já falta a elas, mas não deixa de ser legados na Terra.
E aquela bolsa que deixava na sala de aula de um pequeno aluno transforma-se em enlace de mão, porque a narradora não quer se perder de quem era e do seu rei.
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