A donzela de papel
- Matheus Giglio
- 20 de abr.
- 8 min de leitura

Em um reino distante, um príncipe vivia em estado de agonia. E sua preocupação crescia todos os dias: seu verdadeiro amor chegaria? Talvez na forma de uma bela donzela, mas não precisava ser rica ou bela, o monarca apenas procurava alguém que o acompanhasse por toda a sua vida. Até que, em uma noite, uma fagulha acendeu e ele olhou para o céu: e se procurasse por todo o reino uma moça que realmente o cativasse? Contudo, receava que buscassem a ele, não por amor, mas por sua posição. Decidiu não contar quem era, no jornal apenas anunciou:
Jovem nobre deseja casar-se. Não importa se a moça é nobre ou plebeia, apenas alguém para ser companheira de uma vida inteira. Reescrever o que o destino lhe prometera.
Em pouco tempo a notícia espalhou-se e, por todos os cantos do reino, a histeria instalou-se. Um jovem nobre atrás de uma esposa? E quem seria tal aristocrata? As moçoilas do reino, ricas ou pobres, logo correspondências mandaram. Todavia, o monarca se via em frangalhos. Todas as cartas falavam sobre opulência, mas do amor o príncipe sentiu ausência. Até que uma jovem moça iletrada pediu a seu jovem irmão, o único intelectual da família, que se correspondesse com tal nobre por ela. E assim o rapaz, com toda candura, fez.
Estimado nobre, gostaria de lhe escrever com clareza. E não usar da minha beleza, ou talvez da falta dela, para lhe conquistar. Quero que saiba que não escrevo por dinheiro, mas por um companheiro. Alguém, que como seu anúncio, toque-me de corpo e alma. Mas apenas peço por calma, caro senhor aristocrata, nem sempre o destino pode ser reescrito. Nem sempre o amor pode ser o único motivo, mesmo que seja algo tão bonito. Se acha que é fácil, repense. Mas saiba que estou disposta a redesenhar as linhas que formam o seu caminho e o meu também. Contudo, é necessário deixar claro: a nobreza muitas vezes vem apenas do coração.
O monarca, deveras animado, decidiu que essa seria a única correspondência que responderia.
Querida donzela, suas palavras e seu coração desinteressado trouxeram-me esperança de que ainda há amor possível neste mundo. Não me importa o nível de nobreza ou beleza que tens. Oh, já te sinto em meus braços. Preciso de alguém para acalentar-me nos dias frios, para fazer-me sorrir quando estou tristonho e ser as estrelas que me guiam à noite. Sei que é difícil reescrever o que foi traçado para nós, mas a companheira de uma vida inteira é tudo que eu preciso e a isso que me agarro neste momento.
A irmã do belo escritor ficou eufórica com tal notícia. Um nobre querendo conhecê-la? Algo impensável há dias distantes. Logo demandou que o irmão escrevesse mais uma carta, dessa vez marcando o encontro entre os dois. O rapaz pediu calma, justificando que não seria bom que o tal homem pensasse que ela estava desesperada.
Estimado nobre, aprecio tais vocábulos. E sinto-me feliz porque abraçou e em seu coração depositou minhas palavras, foram escritas do âmago da minha alma. Há muito significado para mim. Não posso negar que sinto o palpitar de seu coração, como se estivesse na palma da minha mão. Sinto-te em meus sonhos, imagino que seus olhos sejam doces e seus lábios úmidos. Não quero ser ousada, mas a paixão que me faz abobalhada. Quero acalentar-te nos dias frios, fazer-te sorrir quando encontrar-se tristonho e formar uma constelação para que saiba sua direção. Contudo, confesso temer possíveis julgamentos, sei que nesses tempos a posição social conta mais que os sentimentos.
Ao ler a carta, o príncipe ficou extasiado. Como se andasse nas nuvens pela primeira vez. O monarca ficara encantado com o atrevimento da moça, deixando-o ainda mais atiçado. Logo, colocou-se a escrever para a donzela novamente. E dessa vez também arriscando-se mais.
Querida donzela, não apenas o meu coração que palpita. Meu corpo lateja de uma maneira imensurável ao ler suas palavras tão doces. Confesso que fiquei ainda mais tentado em conhecê-la após sua última carta. O amor tocou em meu peito e fez-me de mim cativo de suas palavras. Uma sinfonia forma-se dentro de mim. Mais uma vez imploro para vê-la, não irei suportar ficar sem conhecer quem inunda meu coração com tão belos vocábulos. Nunca me apaixonado havia. E agora veja apenas por palavras, sem face nem nada, meu peito de amor tremula. Para ser honesto, todas as donzelas que conheci, Vossa Alteza, sempre estão interessadas em minhas posses ou querem tirar proveito de mim. Sou apenas um jovem procurando por amor. Desde que meu pai partiu, eu tomei a frente da família. Preciso ter alguém que me dê forças para enfrentar o que pode vir a seguir.
O jovem escritor já não mostrava as cartas para a irmã, apaixonado, inventava o que as cartas diziam e continuava a correspondesse com o príncipe.
Estimado nobre, não vejo a hora de encontrar-te, de finalmente capturar com as minhas vistas quem faz tão lindas declarações. Consigo sentir a excitação do teu corpo que correm pelas tuas veias e inundam as tuas palavras. Compadeço-me pela perda de seu pai, espero que tenha ocorrido de forma indolor. Apesar de ter os meus pais vivos, não sinto que tenham consideração por mim como tenho por ambos. Sinto-me diferente, um peixe fora d'água. Encontrar um parceiro agora que vivesse comigo até a última hora, seria um sonho quase impossível. Não sei se posso dar-te o que deseja, ou mesmo se mereço estar em sua mera companhia. Estou só, desiludida e frustrada. Amo-te, mas acho que jamais serei tolerada.
Comovido com a tristeza da "donzela" e na ânsia de conhecê-la, o monarca respondeu assim que possível.
Querida donzela, sinto-me mal por vossa alteza vivencia tal angústia. Contudo, saiba que em meus braços tudo irá mudar, tudo irá passar. Protegerei a ti, como a ninguém neste mundo. Não são apenas juras, são sentimentos. Apaixonei-me por ti sem nem te ver, perdi-me em suas delicadas cartas. Não entendo qual motivo tão doce criatura possa ser levada a tal sofrimento. Mas saiba que também sofro, e não apenas por ti. Minhas tristezas e amarguras de amor não fazem parte do meu mundo, peço pressa para encontrar-te pois tenho medo de que venha por parte de minha família um casamento arranjado. E sei que não há espaço para o amor, o nosso amor, nele. Por favor, encontre-me o mais cedo possível.
Depois de chorar lendo a carta, o jovem plebeu percebeu que não poderia ser a donzela que o tal nobre tanto buscava, apesar de sentir-se afagado em seu enlace. Decidiu, então, cumprir o trato feito com a irmã.
Estimado nobre, tão gentil sonhador. Não posso falar-te mais das minhas dores e só de pensar em conhecer-te... São dores de um amor que nunca se concretizará. Somos de mundos distantes. Não sei se irás aceitar-me como sou, não sei se nem me aceito. Além disso, receio que devo ter cautela. Não sei quem tu és e preocupo-me com tais intenções.
O monarca parecia não entender o que de tão forte poderia separá-los, mas decidiu ir em frente.
Querida donzela, por favor, encontre-me o mais cedo possível. Tenho intenção apenas de casar-me com Vossa Alteza. Suplico pelo seu amor. E se deseja saber quem sou, fá-lo-ei. Sou príncipe deste reino que habitas e por ti apaixonei-me. Não quero mais trocar confidências por cartas. Há tanto para viver nessa nossa próspera terra.
Surpreso por saber que o tal nobre era o príncipe, o sofredor irmão da moça decidira por um ponto final em seus devaneios, e lhe escreveu a última carta.
Estimado nobre, já apontei tamanhos obstáculos que podem nos separar nessa terra. Mas caso queira encontrar-me e se for quem diz que é, encontre-me na porta de seu castelo hoje, dia 25, às dezoito horas.
O futuro rei correu para o portão de seu palácio na hora marcada, junto de seus guardas. Esperava ansioso na porta do castelo. Ele viu quando uma moça franzina apareceu no horizonte. Sorriu ao vê-la. Era belíssima.
Depois de mostrar a ela todo o castelo, os dois sentaram-se em um banco próximo a um dos jardins. Apesar da menina ter estudado com o irmão tudo que havia de ser dito e lembrado sobre as cartas, perdeu-se no meio do caminho. E quando o príncipe começou a ser mais incisivo, ela confessou que quem estava por trás das correspondências era seu irmão. O jovem monarca foi para dentro do castelo em silêncio. Mudo. Ele chorou em seu quarto por dias e dias. A dor de amor que sentia não se comparava a nada do que já havia sentido, com exceção ao falecimento de seu amado pai. Já o simples plebeu sofreu em silêncio, como um pária na família, apesar de sua irmã não ter contado nada aos pais. O monarca, enfim, decidiu escrever para o plebeu.
Querido plebeu, sei que fez o que fez em prol da sua irmã mais velha. Mas não posso negar que por suas palavras apaixonei-me. Queria saber até que ponto estava, ou está, comprometido com o que disse, agora que sabe quem sou. Suas palavras já me demonstraram, apesar dos percalços, honestidade. Sei que não brincarias com o coração de teu futuro rei que agora arde em paixão por ti, diga-me o que queres. Se não quiser escrever mais a este fiel servo, entenderei. Só peço que não me deixe morrer em ansiedade e fale-me acerca de sua vontade.
Com certo receio o jovem abriu a carta que o monarca escreveu. Após ler, ansioso respondeu:
Querido nobre, minhas origens são pobres. Não nasci em berço de ouro, não tenho fortuna, posses ou tesouro. O que tenho são minhas palavras, as quais vossa alteza apaixonou-se. Sem nem me ver. Como posso não estar comprometido com tão sensível criatura? Contudo, também não o vi, apenas por belas pinturas. E são nessas que repouso meus sonhos ao anoitecer. E posso dizer-te, apaixonei-me por ti. Quero ouvir tua voz, aninhar teu sono, acariciar teu corpo e beijar teus lábios. E, se puder, viver o resto da vida ao seu lado. Até meu último suspiro.
A última carta do plebeu foi interceptada pelo criado mais fiel do príncipe. Escandalizado, o homem levou a correspondência ao monarca, que mesmo lendo, fingiu não se emocionar. Contudo já sabia o destino trágico que esperava o seu amado. O chefe da cavalaria ordenou que seus soldados fossem imediatamente a casa do escritor e trouxessem-no para o castelo. E assim foi feito. O intelectual foi até o palácio algemado. Já o príncipe olhava de longe o amor de sua vida em vias de ser guilhotinado, apenas por desejar outro homem. E esse outro homem era ele. Decidiu intervir. Ordenou que o jovem fosse solto, disse que o amava e que também merecia ser guilhotinado, mas não lhe deram ouvidos. Ao ter conhecimento de toda a situação, foi a vez da rainha intervir. Calaram-se todos e a mulher proclamou uma lei: De agora em diante, neste reino, ninguém será punido apenas por amar quem se ama.
O plebeu foi solto, mas constrangido olhava apenas para o chão, contudo, o filho da rainha foi até o outro. Tirou os fios que cobriam o rosto do rapaz, que voltou seu olhar para o monarca. Ambos se olharam por alguns segundos, e o nobre finalmente pôde dar um beijo em seu amado. Ele comprometeu-se a casar com tal camponês. Daquele dia em diante, os dois não se desgrudaram mais. E quando sua mãe abdicou em seu favor, um ano depois, o príncipe finalmente se tornou rei, e foi benquisto por todos, assim como seu amado que foi bem recebido pelo povo.
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